quarta-feira, 29 de julho de 2009

Diálogos com Adorno


"Vai! Toma de assalto a minha grana. Não ligo não. Afinal de contas, preciso consumir. Não é sustentável? Que porra é essa? O quê sustenta o quê? A livre taxa do câmbio? O dólar?" O Adorno tá puto da vida com esse lance de consumo. Disse tudo isso depois de pagar a conta do bar. Bêbado, me questionou:

- Pra onde vai toda essa merda?
- Que merda... - Concordei acenando com a cabeça.
- 3 x merda! - Dizendo isso com um gesto que só os mortos tem.

Convidei-o para ver o filme do Padilha. Negou. 3 x negou. Falou que Jazz, Cinema e Rádio virou a mesma merda padronizada. Ficou horrorizado, notei, mas fingi que não se passava nada. Para quebrar o gelo sugeri para passar em casa para tomar um vinho. Atônito fiquei com sua resposta:

- É francês?
- Não, é de São Marcos...
- Não quero!

Percebi que o clima estava pesando. Resolvi animá-lo:

- Comprei um livro seu: "O iluminismo como mistificação"...
- Peraí! - Interrompeu como se eu tivesse dito besteira - Você ainda está lendo isso? Fala sério!
- Ué? Porquê?
- Escrevi esse livro em um momento ruim. Sabe aqueles dias que o busão atrasa? Tá chovendo e um filho de uma égua passa de carro na toda e joga água em você? Então: cheguei em casa e botei todos os diabos pra fora.
- Nossa!
- É meu caro, escrever tem dessas coisas...
- Imagino como você estava se sentindo...
- Bom, agora as coisas ficaram mais fáceis: enquanto fico no túmulo, tem uma renca de universitários babando pelo o quê escrevi. Rá, rá! Mal sabem eles que não dou a mínima pra tudo isso.
- Pra tudo o quê? - Interroguei-o.
- Pra toda essa bosta que é o mundo.
- Cara, acho que você precisa fazer terapia...

domingo, 26 de julho de 2009

Simon´s Cat

Para ver mais perpécias do Gato do Simon procure por "Simon´s Cat" no YouTube.
Só para constar: esse gato é foda.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

El Héroe

O velho tocador de pífano - Capítulo 4


Diz o velho que rixa arrumada é rixa feita. Se um tem que morrer, morre e Deus tem piedade dele só depois do purgatório. Dentre tantas desavenças, as de família são as mais sanguinárias. Uma forma de resolver a questão era a briga de foice: as partes em conflito amaravam uma camisa na outra e, munidos de foices, facas, peixeiras ou o que estiver ao alcance, se esfolavam até um ou outro cair no chão. Furar o bucho era o objetivo da briga. Essa contenda era motivo de muita falação nos arredores de Pau-D`Alho. Outra rixa muito comum nessas terras era o orgulho ferido de uma família: tias, avós, sobrinhos e irmãos se pegavam no tapa e não tinha filho de Deus que desgrudava os brigões. Numa dessas, a Tia para se vingar do irmão que tomou suas terras, mandou o filho ir matar o tio. Mas a mulher era tão coração de pedra que, não contente, mandou que o sobrinho trouxesse a orelha do irmão como prova de sua morte. Dito e feito: dia seguinte, o sobrinho traz a orelha decepada. Tia, sem titubear, como num ritual antropofágico, come a orelha do irmão com farinha.


O velho tocador de pífano - Capítulo 3


Certa vez, quando saia de um dos forrós abestalhados que só o nordeste têm, o velho caminhava pelas ruas de Caruaru à procura de um canto para passar a noite. Ao chegar perto de um cemitério, encontrou um bebê chorando. Comovido, o velho foi em seu auxílio, poderia ser uma mãe desnaturada que largou o filho para o diabo comer. Quando ele descobre o rosto da criança, envolto por uma manta de chita, o velho escuta alguém vindo em sua direção. Pegou a criança no colo e foi em direção ao transeunte em busca de ajuda. Ao se aproximar do viajante da noite, percebe o erro que cometera: era o tinhoso em pessoa! Para despistá-lo, segundo a anedota, colocou o bebê dentro da blusa, e fingiu ser uma grávida. O coisa-ruim, sedento por um rebento chorão, nem percebeu o movimento e foi logo perguntando:

- Ei matuto! Tu viu um rebento choramingando por aqui?

- Vi não seu moço, eu tô só de passagem...

- Ué? Mai eu tinha certeza que tinha visto o filho-de-rapariga esgoelando por cá... Têm certeza?

- Tenho sim sinhô. Eu num vi nada...

O muleque, que incomodado com o aperto da barriga e da camisa, começou a chorar. Num instante, o cabrobó percebeu a audácia do matuto. Sacou seu espeto e ameaçou furar o velho. Em um pulo só o velho deu no pé e sai em disparada em direção ao portão do cemitério. Quanto mais corria, parecia estar mais perto do diabo. Pulou pra dentro do muro do cemitério e ficou caladinho escondido atrás de uma tumba. O diabo, insistente, rodeou, rodeou e rodeou o sepulcro procurando o velho-grávido. Em um instante, com a ajuda de todos os santos, virou pedra. Esperou, esperou (se desse um espirro, a ilusão poderia denunciá-lo) até o tinhoso desistir de sua procura. Cansado de esperar, coisa-ruim foi buscar sua presa em alguma maternidade por aí. Ao sair de sua petrificação, o velho não entendia porque o bebê se transformara em um gato, que miava baixinho como se quisesse lhe agradecer por algo.

O velho tocador de pífano - Capítulo 2


O velho tinha uma velha. Essa era menos dada do que ele: carrancuda, juízo ruim, cabeça-dura. Casados a mais anos do que o tempo do ronca, viviam numa casinha em um sítio nos arredores de Pau-D’Alho. O saldo dessa história de amor: 18 filhos, 4 mortos e um maluco. Para dar o que comer aos coitados, dividiam 4 ovos cozidos em 14 bandas. Para completar a mistura, farinha no prato com feijão andu. E olha que a culinária era exótica para nós citadinos: farinha com melancia, farinha com quiabo, farinha com feijão, farinha com... Parece que tudo ia farinha.
Se a velha era marrenta, o velho não ficava atrás: só comia se a velha colocasse comida no prato. Poderia passar horas a fio esperando um bocado de atenção. Sim, viviam numa contenda que só nordestino entende. Brigavam, chamegavam, odiavam, amavam e enlouqueciam, tudo isso ao mesmo tempo. Penso que a pós-moderna “D.R.” não era coisa que se fazia nos tempos do velho. Cada um batia seu prego, cada qual em seu canto. Se um titubeasse com o outro, toma lá paulada, eita agonia da cebola!

terça-feira, 21 de julho de 2009

O velho tocador de pífano - Capítulo 1


“Quando cheguei para pegar a faca, a raposa já tinha levado ela na goela”. Com essa frase o velho começava uma anedota. Vendedor de cachaça, tocador de pífano, contador de histórias e mentiroso. Isso mesmo: mentiroso! É assim que a mãe se referia ao velho. Hoje, com um olhar mais distante (e bota distante nisso!) consigo ter uma imagem mais clara: o matuto era uma figura digna de cordel. Aliás, digníssimo! O homem só não assoviava e chupava cana ao mesmo tempo. Diríamos que era um visionário, “um homem à frente de seu tempo”. E isso não por causa das estórias, não. Era muito mais: cada história, cada causo, cada relato, por mais fruto de sua imaginação que fosse, era uma parte, mesmo que pequena, dessa belíssima cultura popular (ainda não entendi por que a academia chama de “cultura subalterna”...). E o homem era forte! Não força física, não. Era forte porque sabia o quanto a linha é tênue entre a morte e o outro lado. Benzedor. Uma vez, quando o neto estava com dor de dente, arrancou uma raiz no pé de uma árvore, colocou no dente da criança, algumas rezas bravas e pronto! A dor se foi. Como é que pode? Vai saber. Poder ele não tinha, dinheiro menos ainda, mas tinha em suas mãos e em seu olhar uma ética do sertanejo. Sim, o sertão ainda não virou mar, mas se virasse, o tocador de pífano já teria previsto.

E tocava pífano que era uma beleza! Os matutos, ao redor do botequim, ficavam igual urubu em cima da carniça pedindo para o velho tocar “aquela da galinha dismiuçada”, “do calango de uma perna só”. E quanto mais música, mais cachaça virando no copo, mais contos de réis em sua caixinha. Entre uma música, uma balela e outra, desce mais cachaça, mais alegria e menos lembranças da vida-cão que levavam. Era como uma troca: cachaça por estórias, cachaça por música. Um serviço de primeira, comparado aos “barzinhos” que a Vila Madalena nunca terá.


quinta-feira, 16 de julho de 2009

Procura-se Raposito

Diante de tantas mazelas que assolam o mundo,
resolvi ajudar nessa causa:


Quem tiver ideia de onde está Raposito, queira pelo amor de deus entrar em contato (ele toma remédio para o coração!).

terça-feira, 14 de julho de 2009

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Telemarketing

Sexta à noite, ruas agitadas, nos bares já deu início ao happy hour (gostaria de entender essa expressão estrangeirista aqui no Brasil, não poderiam adaptá-la?), tudo começou numa sexta inocente... O telefone toca:
- Alô! Por gentileza o Sr. Vandre?
- Sim, pois não... - logo reconheço a voz polida do vendedor do outro lado da linha.
- Sr. Vandre, eu sou o Gustavo Barroso do programa + do banco Itaux e gostaria de lhe estar fazendo uma proposta para o Sr. desfrutar das vantagens do uso do seu cartão múltiplo, eu poderia estar tendo um minuto de sua atenção Sr. Vandre?
- Tá, ok, mas não é Vandre, é Vandré... com acento agudo no "e".
- Pois então Sr. Vandre...
- Vandré!
- Como eu dizia Sr. Vandre, o programa de relacionamento do cartão + poderá estar lhe proporcionando uma gama de possibilidades nos seus gastos diários, como supermercado, drogarias, bares e restaurantes, e no caso do Sr. viajar para o exterior, o Sr. estará utlizando seu cartão na maior parte dos países da América do Sul, Estados Unidos e Europa...
As informações eram tantas que eu não conseguia pensar em nada. Pensava na cerveja gelada, na saga de uma sexta comemorativa. O vendedor continuava sua ladainha, parei para atravessar a rua, foi então que peguei novamente o fio da meada de Gustavo no telefone:
- ... e com o cartão + o Sr. poderá estar pagando suas contas de água, luz, telefone e internet diretamente na fatura de seu cartão. O Sr. tem alguma dúvida Sr. Vandre?
-Olha Gustavo, não tenho dúvida não. Mas infelizmente não estou interessado porque eu prefiro não utilizar cartão de crédito. Acho que é uma viagem sem volta.
- Mas Sr. Vandre, este cartão está livre de anuidades até janeiro do ano que vem. E após essa data, estará sendo cobrada uma tava de R$ 25,90 pela anuidade, que poderá ser dividida em 6 vezes com juros de 1,45 % ao mês. O Sr. não está interessado, Sr. Vandre?
- Então, não uso cartão de crédito, como eu falei...
- Sr. Vandre, para fazer o cartão, basta eu confirmar rapidamente alguns dados pessoais e dentro de 5 minutos o Sr. já poderá estar se dirigindo à qualquer um dos 300 mil estabelecimentos onde sua bandeira aceita o cartão +... - Não suportei, interrompi sua ladainha:
- Não! Olha meu caro, não quero e não pretendo ter. Obrigado por ter ligado, mas não estou a fim de nenhum cartão "a+"...
- Ok, Sr. Vandre... Então futuramente eu poderia estar ligando para o Sr. para discutirmos as vantagens do cartão + para o Sr., Sr. Vandre?
- A tá, beleza, beleza... - foi a maneira mais rápida que achei para dispensar meu interlocutor.
- Ok Sr. Vandre, retornarei essa ligação em breve, tenha uma boa noite.
- Boa noite pra ti também.
Desliguei o telefone, estava com o ouvido quente do celular. Quando me dei por conta, já haviamos chegado ao boteco. A noite foi divertida, um, dois, três copos de vodca com gelo e mais alguns copos de cerveja. O dia seguinte seria dor de cabeça na certa. Mas a gente nunca pensa nisso quando está bebendo.
No sábado pela manhã, acordo com a musiquinha do celular. Levanto, caço o bicho por debaixo da cama, quando avisto o número terminado em zero zero - todos centros de atendimento "ativo" ao cliente, no linguajar do telemarketing, termina com zero zero. Desligo a maldita campainha do telefone e penso: "puts, é o Gustavo Barroso..."

quinta-feira, 9 de julho de 2009

LUA

Bebendo meu café, olhei para o alto e de relance me encontrei com esse astro enigmático

segunda-feira, 6 de julho de 2009

7 dicas para sobreviver em um ônibus lotado

Uma das grandes coisas que aprendi com mamãe foi a de andar de ônibus. Com o tempo, fui adquirindo prática, muito útil em vésperas de feriado em São Paulo ou horários de pico nos dias de labuta, coisa que, se tivesse me dedicado mais, poderia até dar aulas de "defesa pessoal no coletivo". Eis algumas estratagemas que a experiência me proporcionou:

  1. Ao entrar, dê um jeito de ir o mais próximo possível da porta. No entanto, não faça o papel do "folgado da porta": aquele doido que sempre quer ficar dependurado nos degraus, mesmo com o ônibus vazio;
  2. Quando ver que não há lugar para por o pé, lembresse dos tempos de menino, quando os colegas pisavam sem dó o tênis novo do amigo. Isso se chamava "estrear". Ajuda muito para abrir caminho na imensidão de bundas, pernas e pés;
  3. Uma distração a mais é abrir um livro, ou, melhor ainda, um jornal: sempre haverá um parceiro-leitor disposto a ceder espaço à página A3 em troca de uma notícia sobre o timão, ou mesmo para ler a capa, já que todos querem ficar informados;
  4. Pedir licença sempre é o melhor recurso. Muitas vezes a pessoa tá puta da vida porque você quer passar, mas um "com licença" auxilia a dechavar a raiva que ele sente por você. Encoxe, aperte, acotovele, mas sempre seja educado;
  5. Se houver alguma situação em que você precise se defender, utilize o famoso "o ônibus está fazendo a curva", ou mesmo, faça aquela cara feia de que não tá gostando muito do motorista e a culpa é toda dele pela lombada não avistada. Converse com desconhecidos, eles terão a mesma idéia sobre a projenitora do condutor;
  6. Caso haver um engraçadinho com um mp2000 - sei lá, a cada dia há tantos novos - com o som alto e sem a menor noção da existência dos fones de ouvido, começe a cantar desafinadamente a música que o indivíduo está forçando o coletivo escutar - por isso colocou em volume tão desgraçadamente alto - com certeza ele irá desligar.
  7. Sempre haverá duas ou mais pessoas que conversam pra caralho como se estivessem na cozinha de casa. Esses indivíduos acham que, como o moleque do mp2520, todos deverão estar a par do assunto do trabalho, da chefe filha-de-uma-puta, do esposo folgado e bebum, da cunhada assanhada etc etc etc. Nesse caso, você poderá optar por duas atitudes: comece a dar risada sozinho, fingindo achar graça no assunto delas, mas olhando de vez em quando para os interlocutores anônimos; ou, mais sarcasticamente, entre na conversa! Dê um exemplo que como o seu patrão é mais filho-de-uma-égua, que sua cunhada é mais vaca do que todas juntas, de que sua conta de luz à meses que não é paga, que seu gato é caolho e seu cachorro tem hanseniáse. Se isso não resolver, comece a bater a cabeça na parede pedindo que "as vozes cessem de falar!".
Se caso tudo isso não ajudar, sinto muito: te lascaste por inteiro, pois ônibus vazio, só em feriado e olhe lá. Fazer o quê... Como diria um personagem de "Cronicamente Inviável", numa cena de um busão lotado: "a gente gosta de se fuder, e gosta de se fuder juntinho".