segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O muro ou a liberdade televisionada

É curioso o modo como estão se dando as "comemorações" da Queda do Muro de Berlim, que hoje, 9 de novembro, completa vinte anos que o paredão de concreto construído pela RDA ruíu como que nem dominó. Vendo os notíciários, pelo menos aqui no Brasil, deparei-me com algumas frases de efeito dos jornalistas:

"Há 20 anos atrás caia o muro da intolerância para dar espaço para a liberdade" - Bom dia Brasil, Globo.

"O Muro simboliza o fim do terror e o começo de uma nova era" - Record Notícias, Record.

"A construção de um sonho de liberdade com a queda da barreira comunista" - Jornal do SBT, SBT.

"O Muro de Berlim caiu e marcou o fim do século XX" - Jornal da Cultura, TV Cultura.

Dentre essas e outras, fiquei com meus botões discutindo, martelando a cabeça com esses marcos, essas frases, esses gestos que denotam um pepino ruim de descascar. Que pepino é esse?
O pepino é uma extrema tendência de sinalizar aos leitores o único lado da história: triunfo do capitalismo sobre o socialismo, ou no que quiserem chamar esses sistemas de governo. Curioso também é a transformação de um "comunista comedor de criancinhas", segundo a propaganda estadunidense da Guerra Fria, em herói: Gorbachov. O homem da mancha preta na careca, hoje, transformou-se no defensor da "liberdade" e do diálogo. Mais curioso ainda é o modo como a mídia está pintando o quadro da Guerra Fria: segundo eles, ela só terminou por causa do fim do "comunismo" (como se para haver conflitos, não houvesse necessidade de ter dois lados brigando por interesses opostos).
É aí que o buraco é mais embaixo: comemora-se. A mídia comemora o triunfo da liberdade (ou do país que nos USA?) como sinônimo de paz e harmonia. Mais o quê? Vamos aos fatos:

1 - Ninguém tá falando porra nenhuma sobre o murão que Israel está construíndo em torno da Cisjordânia.

2 - Nem se fala do muro, econômico, imposto à Cuba pelos EUA até agora.

3 - Muito menos queremos saber da porrada de Afegãos que morrem todos os dias com a ocupação estadunidense naquele país, e Obama tá mandando mais gente pra lá. Se isso não for um muro, eu preciso rever meus conceitos de construção civil.

4 - Você acha que nos preocupamos com barreiras sociais que impomos nos semáforos das cidades aos meninos-querôs que tentam limpar o seu parabrisa?

5 - E o que falar dos bloqueios que existem nas relações humanas numa "modernidade tardia" tão egoísta e cheia de dedos? E não se fala mais nisso.

Poderia escrever alguns bons 95 tópicos, que nem o Lutero, mas isso aqui é um blog e, como diria os especialistas em comunicação, "menos é mais".
O que intriga não é rememorar um episódio que foi possível graças à vontade de milhares de pessoas que comemoravam como que num ano novo a derrubada de um muro que separava não só as pessoas, mas modos de vida, não. E muito menos que esse processo de unificação das Alemanhas tenha sido desencadeado por um porta-voz do partido comunista que estava de férias e, numa coletiva, em vez de anunciar a liberação gradual de vistos à Alemanha Ocidental, acabou, no final da entrevista, adiantando para os jornalistas que as mudanças iriam ocorrer imediatamente. Não, nada disso intriga.
Mas intriga o modo como a mídia de modo geral, e uma mídia comprometida com o sistema de mercado voraz, coloca ao leitor, ainda mais para os que não viram o Pedro Biela atrás do muro com sua gravatinha fininha anunciando no Fantástico a queda da muralha, a representação dessa parede de concreto. Ela representa mais. Representa a solidificação do conceito de liberdade com liberdade de consumo, liberdade de competir, liberdade de se comer. Podem até me chamar de comunista enrustido, coisa que abomino, mas não poderão me chamar de tapado. Como diria uma propaganda de um símbolo do capitalismo da Guerra Fria, as calças Levis: "A liberdade é uma calça azul desbotada".

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