segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Medo Líquido

Apertei a mão do sujeito e notei o quanto estavam melecada suas linhas da vida: acabara de usar o "álcool em gel". Em tempos de epidemia vale-tudo para não ser o infectado da vez. Nitído é o medo (talvez "líquido" Bauman?), o pavor e o olhar fulminante contra os gripados. Certo dia, cidadão portando máscara de pano entra no coletivo com cara de exausto. Embora a super-lotação do vagão, consegue um espaço bem amplo e ventilado. Alguns pulam da estação com medo de que o mascarado espirre contra a multidão indefesa. Mães apavoradas cobrem os rostos das crianças com medo de uma possível contaminação. O medo impera! E, não tirando o meu cavalinho da chuva, a coisa ainda não acabou: embora a queda no número de mortos, o Brasil figura o 1º lugar e 7º em taxa de mortalidade por gripe suína. Ministério da Saúde declara guerra à Gripe Suína, manchete de jornal marrom.
Repostagens, cadernos especiais, cartilhas, memorandos, teses de doutorado levam a informação ao leitor desavisado sobre os perigos desse mal sagaz. Dentre tantas coisas, umas elucidativas e outras nem tanto, caiu em minhas mãos uma cartilha sobre como se prevenir do Influenza. Na capa, de papel couchê, estampava um simpático leitão espirando bem forte (Atchiiiiim)! Poderia ser trágico, mas foi cômico. Fico pensando no insight do responsável por essa obra de arte.
Na vida capitalista não é diferente: queda nas bolsas combinada com recessão econômica. A única coisa que aumentou foram as vendas de Tamiflu, Álcool em Gel, Máscaras de Pano e demais armamentos de guerra. À boca pequena, e em tempos de crise ela fica escancarada, dizem as más línguas que o vírus foi até invenção da Roche, indústria farmaceútica, com o "governo americano". Não posso afirmar nada, mas ouvi falar.
Com um olho aqui e outro lá atrás, sem cometer anacronismos (certo Bloch?), penso nas imenssas pandemias, epidemias e gato-mias que o bicho humano passou. A peste negra, divertidamente pintada por Monicelli em O incrível exército de Brancaleone, foi a mais conhecida, e duradoura, das epidemias da história, mas não a única: só a Varíola, importada pelos colonizadores espanhóis, matou uma renca no México. Outra gripe, a espanhola, dizimou 20 milhões no início do século XX. Os pequenos invasores, numa perspectiva bem BBC, são aos trilhões e, que nos acuda, não tem dó e nem piedade.
De todo modo, fico na dúvida agora quando vou dar um aperto de mão no próximo pois nunca sei o que realmente estou apertando: se álcool em gel ou o próprio coisa-ruim do tal H1N1.

Nenhum comentário: